terça-feira, 25 de novembro de 2008

O Diário de Morena


“Ninguém aprende, ninguém aspira, ninguém ensina – a suportar a solidão”.

Friedrich Nietzsche



Seu nome é Morena, tem vinte e poucos anos, destes lembra com saudades do caloroso mundo da primeira infância, da sua inocência, do tempo em que tudo que acontecia era uma experiência nova, em que tudo que acontecia de desagradável noite ia passava após uma tênue noite de sono.

Morena sempre foi uma menina introvertida e estranha, essas suas características se agravaram na adolescência e ela sofria com o estranhamento que causava por ser calada demais. Enfrentava a solidão do seu distanciamento com outros adolescentes redigindo um diário e compondo músicas, que não mostrava a ninguém. Era crítica demais com suas criações e guardava-as no fundo do seu armário, que ela chamava de a caixa de Morena, uma singela comparação à “Caixa de Pandora”. Nela guardava um segredo que a afligia, fazia sofrer e em conseqüência a fez tornar-se tão tímida, introspectiva e desenvolver um sentimento de pena por si mesma que, pensava, nem uma sessão de terapia conseguiria curar.

A mãe de Morena trabalha fora de casa. Quando chega cansada do trabalho não descansa, preocupa-se em arrumar a casa, fazer o jantar... Essas tarefas atribuídas às mães clássicas - além disso, espera a filha voltar da faculdade e só pega no sono quando todos estão sãos e salvos dentro de casa. Mal sabe a mãe que o perigo está em casa. Com um marido ciumento, machista, aparentemente é inofensivo - aos olhos da sociedade - mas que consegue ser cruel, agressivo, não quer que a esposa trabalhe a não ser como doméstica do próprio lar. O pai de Morena bebe eventualmente e quando chega em casa, mesmo sem ter um motivo, joga comida no chão, no lixo, fala muito palavrão, faz muitas ameaças e cumpre alguma destas.

O diário de Morena tem versos chorosos. Sempre transcreve os momentos de briga dos pais, dessas aflições que acompanham a vida inteira. Um dia, quer dizer, uma bela noite de lua cheia, seu pai chegou bêbado em casa, quase quebrou a porta de tanta força que colocou para fecha – lá, foi ao banheiro, mas nem um banho frio conseguiu acalmar tanta fúria. Começou a destilar palavrões, até parece que tem um livro com os dizeres “cento e uma maneira de agredir a sua família”, se é que ainda não foi publicado. Morena acredita que seu pai serviria de inspiração para uma obra como essa. Voltando à noite, quando mãe e filha estavam assistindo um programa de cultura inútil na TV, o pai rosnava de um lado para o outro da casa. De repente, o pai berrou: “Não tem janta nessa casa?”, contraditoriamente, pois havia uma panela de sopa em cima do fogão. Morena chorava e rezava, lágrimas escorriam pelo seu rosto com mais intensidade durante uma Ave Maria e um Pai Nosso...: - “Por favor, acalmem o meu pai!”. Ele jogou a sopa no chão e saiu gritando que não tinha dona de casa. Mais lágrimas...

Desesperadas mãe e filha saíram de casa sem rumo, fugindo para a casa da avó de Morena. Passaram a noite por lá mesmo, trazendo dor e aflição para o restante da família, seguida de uma noite de sono nenhum. Um pouco mais tranqüila, a mãe resolveu voltar pra casa e a filha, querendo protegê-la, se ofereceu para voltar também. Parecia que tinha passado por um Tsunami na sala de Morena. Sofás revirados, móveis quebrados, papéis picadinhos no chão e um redemoinho de emoções pairava no coração de Morena, raiva, dor, ódio, tristeza, sentimentos que se misturavam com lágrimas amargas que teimavam em cair de seus olhos. No dia seguinte o pai de Morena apareceu como se nada tivesse acontecido, entrou em casa, tomou seu banho, jantou e foi dormir.

As noites de Morena sempre são sinônimos de brigas, discussão, raiva, lágrimas e dor de cabeça. Por mais que passem os dias, os meses e até os anos, seu pai continua o mesmo. Sua mãe, apesar de sofrer, não toma uma atitude e Morena questiona o motivo dela se submeter a continuar sobrevivendo assim. O mundo de Morena desabou deixando marcas profundas. O que ela tinha como referência de felicidade acabou. Não consegue confiar em outras pessoas, nunca se apaixonou verdadeiramente, pois teme que seu destino amoroso seja semelhante ao da mãe.

O diário de Morena tem páginas que parecem repetidas, mesmo que passem as estações do ano, sempre tem uma página relacionada ao seu sofrimento e ao da mãe, parece que o dia não terminou.


Talita Emanuelle Figueredo Sales

Aluna de Comunicação Social / Jornalismo da Faculdade Integrada do Ceará - FIC

4 comentários:

Anônimo disse...

Tadinha da Morena... Já a Talita, está de parabéns!!!


Edílson.

Suiany em transe disse...

Amiga, sinta-se abraçada!

Gostei das percepções... temos que ter esperança!

Beijossssss

Anônimo disse...

Por mais que discordemos das atitudes do pai de morena,temos que nos orgulhar do gênio que ele criou,por mais triste que sejam suas palavras,elas expressam com perfeição seus sentimentos.

Parabéns Talita.

*Ravenna

Anônimo disse...

Tipo, concordo com a Ravenna.
Com as atitudes de seu pai, Morena expressava o que ela pensava, o que ela pensava, e o que ela sentia nakele momento.
Com certeza que ela poderia levar isso a vida toda, com esse sofrimento, e por nao se apaixonar por alguem por achar que seria o mesmo destino de sua mãe. Hoje temos algo que antes na ditadura nao tinhamos, LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
Sei que isso pode fujir um pouco da historia, mais se pensarmos bem se ela praticasse isso, ela veria que nem tudo que ela ver dar num resultado negativo.
E que talvez possa reverte-lo em positivo.
Luciano* "3 vez comentando" hehe