segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

ORKUT: Há Vida após a morte.

* Talita Sales
Estudante de Jornalismo/ Proutora de Tv
Texto retirado do Blog Linhas Mortais
Disciplina de Revista da Faculdade

"Morrer é apenas não ser visto. Morrer é a curva da estrada."
(Fernando Pessoa)

O Orkut tem cerca de 15 milhões de usuários brasileiros cadastrados. O que acontece com os dados on-line de uma pessoa que morre? Mas o para onde vão os perfis dos mortos? Usuários falecidos continuam vivos em seus perfis do Orkut e são cada vez mais numerosos. Podem hoje somar perto de um milhão. E teoricamente só eles poderão encerrar suas contas.

A mais famosa comunidade do Orkut, chamada “PGM” (profiles de gente morta), para quem não conhece, é uma comunidade que se dedica à postagem de perfis de pessoas falecidas no Orkut. Pode parecer cruel, mórbido e muita falta do que fazer, mas é a realidade. É somente curiosidade, nada mais. Morte é um assunto que sempre gerou e sempre vai gerar curiosidade nas pessoas. Contando com um total de 58.900 membros, a “PGM”, comunidade criada no orkut pelo brasileiro Guilherme Dorta, destina-se à pesquisa de gente que já faleceu, mas segue viva na internet, via blogs, flotologs, MSNs e páginas pessoais no orkut. Aqui vemos como, de uma hora para a outra, nossa vida acaba e deixamos tudo para trás, inclusive banalidades como Orkut, sites de relacionamentos ... Banalidades essas que, por vez, podemos chamar de "rastros virtuais".
Na visão de Guilherme Dorta, todos estes elementos podem ser vestígios que funcionam, ao mesmo tempo, como conforto aos que ficam, e espécie de imortalidade virtual dos que partiram. Dada a natureza do tema, a comunidade pode soar como algo sombrio e fúnebre. E, num primeiro momento, realmente o é. De acordo com as regras escritas por Dorta na abertura da página, o usuário que quiser informar sobre a morte de alguém deve colocar como título do tópico de discussão, o nome do falecido entre sinais de “+. Dorta deixa claro também que é contra qualquer tipo de violência e jamais faço apologia a morte aqui nessa comunidade.
Mas o que são esses rastros virtuais? Um conforto para quem fica? Uma imortalidade virtual? Bom, estamos aí para discutir... O psicólogo Carlos Roger Sales da Ponte2 concedeu entrevista via email. Ele faz uma breve análise da curiosidade em relação à morte:

Talita - Porque a morte atrai tanta curiosidade, seja numa cidade pequena do interior ou numa gigantesca comunidade online?
Roger- A morte sempre nos atraiu. Heidegger, filósofo alemão, disse certa vez que os animais findam; só o homem morre. Queria dizer que só nós sabemos que vamos morrer e tudo que isso implica. Nascer, viver e morrer. O interesse se dá porque somos finitos e nada podemos contra isso. Afinal, é uma das coisas que nos faz humanos.

Talita - Como interpretar O fato é que nasceu uma nova rede social completamente dedicada a pessoas que morreram. Seríamos todos mórbidos enrustidos?
Roger - Enrustidos, não. Falam abertamente sobre isso. Há certo gosto por isso. E só se pode falar de gosto por aquilo que nos dá gosto. Fazemos isso de certo modo quando velamos alguém. É uma adoração ao que foi e não é mais. Uma maneira de manter a memória.

Talita - Por que a morte, o último, derradeiro e definitivo evento tem tanto “charme”?
Roger -
Penso que pelo mesmo motivo que disse acima. É uma maneira de permanecer a vida. Mas negando a morte, este grande momento da vida.

Talita - Sempre que acessamos os “scraps” de uma pessoa que tenha falecido, encontramos diversas mensagens e homenagens, sendo que esse perfil poderá nunca sair do Orkut. Porque as pessoas deixam recados de despedida nos perfis dos mortos?
Roger - Quem sabe? Talvez uma fé em que o falecido veja... Ou, o que é mais provável, para que os outros vejam como “você é legal”! Não é para isso que existe Orkut? Para todos te verem?
Talita - A visita constante na comunidade PGM ou no Profiles de gente morta pode ser considerado falta de privacidade até depois de morto?
Roger - Ele não está mais aqui para falar coisa nenhuma. Quem tiver a senha dele que apague a página.
Talita - A nossa geração está mais “amortecida” com os fatos trágicos, como se tudo fosse descartável?
Roger - A vontade de viver é grande demais. Mas esqueceram que morrer é humano. A sociedade do consumo e do hedonismo em parte causou isso: imagens sempre jovens, corpos jovens, palavras jovens, velhos “jovens”, cirurgias para a juventude, etc, etc. Sem dor, não há aprendizagem (Sófocles).

Talita - Até onde vai à febre de redes sociais?

Roger - Não sei te responder.

Consegui mais duas entrevistas através de emails Karol R. Fäshbuer e Marcelo Fritz, dois personagens que abastecem a PGM de informações a partir de notícias do jornal. E há quem registre na comunidade a morte de parentes, amigos e conhecidos.

Karol R. Fäshbuer, 21 anos, uma sul-mato-grossense que atualmente reside em São Paulo capital e trabalha com serviços de internet. Ela afirma que, apesar da velocidade e virtualidade do contato pela net, acredita em vida após a morte, com uma visão espiritualista e um julgamento pelos nossos atos em outro plano espiritual. Para Karol, o tabu de discutir sobre a morte diminui com a internet, e se no início seus amigos achavam estranho olhar obituários online, hoje a maioria participa das comunidades de gente morta.

Marcelo Fritz, que trabalha com manutenção de equipamentos de informática, em Ponta Grossa, Paraná, utiliza os chamados fakes (profiles falsos), onde a foto, informações e, às vezes, o gênero do indivíduo não é o que parecem, para participar de uma comunidade de gente morta. Segundo Marcelo, o motivo para acompanhar essas comunidades é simples. “Bem, a morte é o ponto, de uma forma ou outra é uma coisa que chama a atenção. Muitos ali acompanham em tempo real algumas tragédias, um noticiário dinâmico dá pra se dizer”, diz Marcelo.

Para Marcelo, as informações que não são acessadas após certo tempo deveriam ser deletadas, pois não há motivo para estarem ali. Apesar de não ter interesse em deixar um profile “cristalizado” na net, Marcelo conta que o que atrai os olhares são os profiles de gente que morre jovem. Mesmo assim, ele acredita que essa curiosidade mórbida irá passar na medida em que envelhecer.

O site de relacionamentos Orkut está servindo de memorial de vítimas ficaram lotados com mensagens de apoio escritas por parentes, amigos e, em muitos casos, desconhecidos. A “PGM” é uma espécie de sucessora torta dos obituários dos jornais. Se você está no site de relacionamentos, vale pensar sobre o assunto.

Sem mais, desejo que todos descansem em paz...


1Afirmação de Sérgio Suiama, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal durante V Seminário de Defesa do Consumidor.
2Psicólogo, Mestre em Filosofia pela UFC e professor de Filosofia e Psicologia da Faculdade Integrada do Ceará (FIC). Contato:
jardimphilo@yahoo.com.br

Um comentário:

Anônimo disse...

Sim, isso foi uma informação que eu nem sabia e que fiquei muito feliz de ter visto isso. Que tem pessoas que se preocupam com as pessoas mortas, que fazem um tipo de "luto" a pessoa falecida.

Acho tambem que deveria ter um xat, onde todos que entrassem nesse blog poderia debater os assuntos que foram postados. Isso facilitaria uma aproximação das pessoas com o blog, e que teria mais comentarios a ser discutido.